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Luta pelo fim do pedágio em vias estaduais atravessou décadas

Inaugurada em 1989, a Terceira Ponte teve cobrança de pedágio até o final de 2023 / Foto: Tiana Paiva

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Um dos assuntos que mobilizou os debates na Assembleia Legislativa (Ales), no início de 2003, foi a cobrança de pedágio em vias públicas. O tema fazia parte da pauta dos capixabas há 14 anos: primeiro a cobrança se deu na Terceira Ponte, ligação entre os municípios de Vitória e Vila Velha, e posteriormente na Rodovia do Sol, acesso ao município de Guarapari.

boxe sobre a história da construção da Terceira Ponte

Em fevereiro de 2003, o deputado Euclério Sampaio (PDT) apresentou o Projeto de Lei (PL) 8/2003, que impedia a instituição de pedágios sem a autorização da Assembleia. A proposta suspendia o pedágio da Terceira Ponte e na Rodovia do Sol, em Guarapari, além de exigir do governo estadual auditoria financeira, fiscal, administrativa e contábil demonstrando a arrecadação no período.

montagem foto da obra da Terceira da Ponte com os pilares no mar de 1986 e em destaque foto da ponte de 2017

Para Euclério, a obra da ponte já tinha sido paga e não mais se justificava a continuidade da cobrança. À época o preço do pedágio era de R$ 1,50 para cada sentido, totalizando R$ 3,00 (ida e volta).

“A instituição de pedágios para trânsito na Terceira Ponte e recentemente na Rodovia do Sol tem merecido repulsa e indignação por parte da população capixaba e, especialmente, pela prorrogação por mais 20 anos de contrato de concessão”, argumentou Euclério.

O PL 8/2003 foi considerado inconstitucional pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), em relatório do deputado Zé Ramos (PFL), aprovado por 3 votos contra 2 no colegiado. Entretanto, Euclério recorreu e o Plenário rejeitou o relatório da CCJ por 11 votos a 6. Com a matéria continuando a tramitar, as comissões de Defesa do Consumidor e de Finanças se posicionaram a favor do projeto, que foi aprovado pelo Plenário.

Outdoor e panfleto apócrifo

A tramitação do PL 8/2003 suscitou longos debates na Ales sobre a constitucionalidade da iniciativa. O que era considerado inconstitucional – a concessão, o contrato, a taxa de pedágio ou o tempo de existência da cobrança? Quais eram as irregularidades? Não houve acordo sobre nenhuma dessas questões.

A polêmica passou pelo Palácio Anchieta, indicando que o PL 8/2003 seria vetado integralmente pelo governador. E chegou às ruas em forma de outdoor e também na forma de um panfleto apócrifo distribuído em Vila Velha, sem a assinatura dos autores e sem a identificação da origem.

Foto de outdoor com nomes de deputados a favor e contra cobrança de pedágio, em referência à votação de projeto ocorrida na Ales em 2003

Esse panfleto divulgava quem votou a favor e contra o projeto e acusava deputados de favorecer a gestora do Sistema Rodosol ao defenderem a inconstitucionalidade da proposta. “É um panfleto mentiroso, covarde, pois não foi assinado por nenhum partido, por nenhuma autoridade, por nenhuma associação, por nenhum movimento, por nenhum deputado, por nenhum vereador; escondem-se atrás da covardia e da clandestinidade”, reagiu o presidente Claudio Vereza no Plenário da Ales.

CPI da Rodosol

A investigação de irregularidades envolvendo a construção, a exploração e o gerenciamento da Terceira Ponte vinha desde 1994, quando foi instaurada a primeira Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Ales sobre o tema. Essa CPI foi instituída em fevereiro de 1994 pela Resolução 1.706/94 por iniciativa da Mesa Diretora e prorrogada em junho. À época não existia a Rodosol, criada em 1998, no final do governo de Vitor Buaiz.

uma mulher e quatro homens sentados atrás de mesa do Plenário

Outra CPI sobre o tema foi instalada em 1995. As investigações das duas comissões de inquérito não foram concluídas e ficaram sem relatório final. Ambas foram finalizadas por decurso de prazo.

Já a CPI da Rodosol foi instalada a 25 de março de 2003, no mesmo período em que tramitou o PL 8/2003, para supressão do pedágio. A comissão foi presidida pela deputada Brice Bragato (PT); o vice-presidente foi o deputado Zé Ramos (PFL) e o relator, deputado César Colnago (PPS).
Euclério Sampaio (PTB), proponente da comissão de inquérito, ficou entre os membros efetivos ao lado de Robson Vaillant (PL), contrariando o costume de que o autor da proposta de criação fosse também o presidente do colegiado.

Mais abrangente, a CPI da Rodosol, fez uma radiografia da trajetória da concessão. A investigação envolveu também a Rodovia do Sol, agora integrada à Terceira Ponte, sendo todo o sistema administrado pela Rodosol S/A desde 1999.

Em um documento de mais de 100 páginas, a CPI da Rodosol trouxe, no relatório final, a apuração de responsabilidades de gestores e autoridades do Estado na aprovação de licença ambiental para a construção da rodovia; indicação de possível improbidade administrativa; recomendações ao Ministério Público Estadual para abertura de inquéritos criminais, penais, civis, indiciamentos, representação e quebra de sigilo bancário.

As recomendações feitas ao Poder Executivo estadual incluíram inspeção, processo administrativo e repactuação do novo sistema de cobrança do pedágio, visando diminuir o preço da tarifa, revisão do contrato vigente, entre outras.

Nova proposta contra o pedágio

fotomontagem com carro em movimento perto da praça do pedágio da terceira ponte

Dez anos depois, o mesmo deputado Euclério Sampaio (PDT) apresentou o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 69/2013, que sustava os efeitos do contrato com a Rodosol, que vigorava desde 1998, com o objetivo de pôr fim à cobrança do pedágio.

“É uma exigência de toda população, principalmente da região metropolitana, que nunca concordou com a cobrança lesiva do pedágio. Tanto que combatemos essa prática desde o nosso primeiro mandato”, justificou Euclério no texto do projeto.

O PDL 69/2013 foi apresentado à Mesa Diretora em fevereiro de 2013. Às vésperas da votação do relatório da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), em julho, o país fervia com manifestações, iniciadas no mês anterior, nos principais centros urbanos do país, com reflexos também em Vitória.

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A população acompanhou a tramitação do PDL 69/2013. A 2 de julho, com as galerias repletas, o relator da matéria na CCJ, deputado Gildevan Fernandes (PV), informou que faria uso de prazo regimental e só apresentaria seu parecer numa próxima sessão, pois precisava estudar melhor a proposta, gerando reações no plenário, conforme registros feitos pela TV Ales.

Ocupação da Ales

O fato causou a revolta dos ocupantes das galerias que, depois de tentarem entrar à força no Plenário, seguiram para ocupar a Presidência da Casa. A ocupação durou 11 dias tensos e seguidos de negociações envolvendo a Mesa Diretora da Ales e os manifestantes.

As reuniões foram acompanhadas por representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), do Conselho Estadual de Direitos Humanos e da Arquidiocese de Vitória e conduzidas pelo juiz do Tribunal de Justiça do Espírito Santo Marcelo Menezes Loureiro.

Havia um elenco de 10 reivindicações. Entre elas, votação imediata do PDL 69/2013, para suspensão do pedágio; criação de espaço cultural, de formação e atividades populares dentro do Legislativo; fim à proteção de vidro das galerias; permissão para frequentar a Ales usando bermudas e camisetas; instalação das CPIs do Pó Preto e do Transcol; e audiência com o governador.

quatro fotos de pessoas com faixas contra o pedágio nas galerias do plenário e nos corredores da Ales

No dia 10 de julho, em pronunciamento no Plenário da Ales, o deputado Roberto Carlos (PT) defendeu o diálogo e mostrou a sua preocupação com a reintegração de posse e uso de força policial para a retirada dos manifesstantes do prédio da Ales.

Esgotadas as possibilidades de acordo, a Mesa Diretora da Ales decidiu levar o caso à Justiça. Em nota publicada no portal da Ales, no dia 11 de julho, a Assembleia assim se manifestou: “Com o esgotamento do diálogo, a inviabilidade de se continuar os trabalhos legislativos e o descumprimento do acordado entre a Mesa Diretora e representantes dos manifestantes no dia 10 de julho, de que às 11 horas do dia 11 deixariam a Assembleia, a Mesa entrou, na tarde desta quinta-feira (11), com um pedido de reintegração de posse no egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo (TJES). Agora, cabe à Justiça tomar as providências”.

Fala do movimento Ocupa Ales

O movimento que se autodenominou Ocupa Ales também divulgou uma nota no dia 11 de julho, mesmo dia em que a Mesa Diretora comunicou que havia entrado na Justiça com pedido de reintegração de posse. O texto afirmava que o objetivo da ocupação do prédio da Ales era “pressionar a votação e aprovação do decreto que rompe com o contrato firmado entre o governo do Estado e concessionária Rodosol, dando fim à cobrança do pedágio na Terceira Ponte”.

Segundo a nota, por meio de um “acordo público” firmado com a Mesa Diretora da Ales, o grupo teria aceitado se retirar da Presidência para ocupar outro espaço da Ales, para “garantir a normalidade do expediente” (…), “dando totais condições de segurança, mobilidade e trabalho para os deputados e seus assessores”.

Ainda conforme o texto, a Mesa Diretora, por sua vez, teria assumido compromisso de “colocar o referido decreto em votação e não lançar mão de força policial para a desocupação. Contudo, houve quebra do acordo por parte de 15 deputados, que se recusaram a trabalhar enquanto durar a ocupação” (…), “criando um impasse e tensionamento desnecessário”.

“Reiteramos que só desocuparemos a Ales quando o acordo inicial for cumprido, fato que poderia já ter sido antecipado, não fosse a manobra do governador Renato Casagrande, articulada com os 15 deputados que se reuniram em um espaço privado e secreto, longe da população, por razões obscuras, para tomar uma decisão que em nada dignifica o mandato que lhes foi conferido (…)”, prosseguia o texto.

Confira a íntegra da nota do Movimento Ocupa Ales

Ao meio-dia do dia 13 de julho, um sábado, os manifestantes se retiraram do prédio legislativo, cumprindo a ordem judicial de desocupação, após audiência de conciliação iniciada na tarde do dia 12 até 5h30 do dia seguinte. Em nota publicada no portal institucional, a Assembleia Legislativa disse que “optou pela não utilização de força para promoção do direito legítimo de reintegração de posse”.

montagem com fotos do restaurante da Ales pixado e sujo após o fim da ocupação

Em entrevista ao portal da Ales em 2025, o principal articulador na Assembleia Legislativa contra o pedágio, ex-deputado Euclério Sampaio, fez uma avaliação sobre a atuação dos manifestantes e a ocupação do prédio legislativo em 2013.

Votação do PDL

Na segunda seguinte, dia 15 de julho, o Plenário rejeitou o projeto de decreto legislativo por 16 votos a 11. Durante todo o dia, o clima foi de muita tensão. Desde a manhã do dia 15, houve concentração de manifestantes na porta da Assembleia, tentando entrar no prédio da Ales para assistir à votação. Nem todos conseguiram, pois foram contidos pelo Batalhão de Missões Especiais (BME). Alegou-se que as galerias do Plenário Dirceu Cardoso já estão lotadas. Mas os militantes argumentaram que não eram militantes que ocupavam a galeria, mas funcionários da própria Assembleia.

foto de homens de terno em círculo no plenário Dirceu Cardoso

Para impedir a entrada dos militantes, o BME usou bombas de gás lacrimogêneo e bala de borracha, não só na entrada da Assembleia, mas também nas ruas próximas, para dispersar os manifestantes. Houve depredação de ônibus nas ruas próximas e prisões. Os protestos continuaram até o início da noite.

Votaram contra o PDL 69/2013 os seguintes parlamentares: Cacau Lorenzoni (PP), Dary Pagung (PRP), Elcio Alvares (DEM), Freitas (PSB), Gildevan Fernandes (PV), Glauber Coelho (PR), Jamir Malini (PTN), Janete de Sá (PMN), José Carlos Elias (PTB), Josias Da Vitória (PDT), Luiz Durão (PDT), Luzia Toledo (PMDB), Marcelo Santos (PMDB), Paulo Roberto (PMDB), Sandro Locutor, (PV) e Sérgio Borges (PMDB).

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Votaram a favor do PDL 69/2013 os seguintes deputados: Claudio Vereza (PT), Doutor Hércules (PMDB), Euclério Sampaio (PDT), Genivaldo Lievore (PT), Gilsinho Lopes (PR), José Esmeraldo (PR), Lúcia Dornellas (PT), Marcos Mansur (PSDB), Roberto Carlos (PT), Rodrigo Coelho (PT) e Solange Lube (PMDB).

Dez anos após essa votação, o governo estadual assumiu, em dezembro de 2023, a gestão da Terceira Ponte e da Rodovia do Sol. Em 2025, o ex-deputado Euclério Sampaio, atual prefeito de Cariacica, fez uma avaliação de todo o processo.

CPIs do período 2003-2013

De 2003 a 2013, foram realizadas 14 Comissões Parlamentares de Inquéritos (CPIs). Algumas avançaram até o relatório final, encaminhado depois aos poderes públicos, com recomendações. Outras CPI não chegaram ao final, seja por decurso de prazo, seja pelo esvaziamento político.

arte com linha do tempo das CPIs da Ales no período 2003 a 2013

Para saber detalhes de cada uma, basta consultar a página CPIs, no portal da Ales.

  1. CPI da Rodosol (Resolução 2.068/2003): apurar denúncias de possíveis irregularidades relacionadas à concessão e à execução das obras do Consórcio da Rodovia do Sol/Ponte Deputado Castelo de Mendonça (Terceira Ponte), pela firma Rodosol S/A.
  2. CPI da Educação (Resolução 2.073/2003): apurar as possíveis irregularidades na aplicação dos recursos destinados à educação durante o governo José Ignácio Ferreira.
  3. CPI dos Seguros (Resolução 2076/2003): apurar possíveis irregularidades na contratação de seguro de vida para os deputados estaduais e os pensionistas do extinto Instituto de Previdência dos Deputados Estaduais (IPDE).
  4. CPI da Transcol (Resolução 2.077/2003): apurar possíveis irregularidades nos contratos de concessão e/ou permissão, inclusive na fixação do valor das tarifas, além de investigar as condições da qualidade no atendimento no Transporte Coletivo da Grande Vitória (Transcol).
  5. CPI da Criança e Adolescente (Resolução 2079/2003): apurar denúncias relacionadas à situação da infanto-adolescência, notadamente no que diz respeito à exploração e abuso sexual, rapto, trabalho infantil e sistema oficial de acautelamento de adolescentes autores de atos infracionais.
  6. CPI do Combustível (Resolução 2.185/2004): apurar possíveis irregularidades envolvidas na importação e no comércio de combustível do Estado do Espírito Santo.
  7. CPI do Trabalho Escravo (Resolução 2.223/2005): apurar as denúncias relacionadas à ocorrência de trabalho escravo e de trabalho degradante no Estado do Espírito Santo.
  8. CPI do Grampo (Resolução 2.248/2005): apurar a existência de escutas irregulares, ilegais e clandestinas, além da existência de informações de que existem pessoas operando aparelhos clandestinos que interceptam ligações telefônicas no Estado do Espírito Santo.
  9. CPI do Roubo de Cargas (Resolução 2.361/2007): apurar possíveis irregularidades que envolvem o roubo e receptação de cargas no Estado do Espírito Santo, especialmente as operações que legalizam as mercadorias roubadas com notas “frias” e com “empresas Laranjas”, causando prejuízos ao erário.
  10. CPI do Agrotóxico (Resolução 2.564/2008): apurar possíveis irregularidades com danos à vida humana e ao meio ambiente em face do uso de produtos agrotóxicos comercializados por empresas privadas instaladas no Estado do Espírito Santo.
  11. CPI da Habitação (Resolução 2.626/2008): apurar possíveis irregularidades no processo de regularização e quitação dos imóveis construídos com finalidade social e aqueles repassados a terceiros em razão de falência, incorporação, fusão ou aquisição de instituição financeira no Estado do Espírito Santo, desde o início da década de 1970.
  12. CPI da Pedofilia (Resolução 2.655/2009): apurar o vertiginoso aumento de casos de pedofilia no Estado do Espírito Santo; suas causas; a atuação e/ou omissão de autoridades públicas; e soluções administrativas e legislativas para este grave distúrbio social no âmbito do Estado.
  13. CPI do Iped (Resolução 2.817/2010): apurar as possíveis irregularidades na extinção e liquidação do Iped.
  14. CPI da Telefonia (Resolução 3.376/2013): apurar a responsabilidade por danos causados ao consumidor na prestação inadequada de serviços de telefonia oferecidos pelas operadoras que atuam no Estado.

Série histórica sobre os 190 anos da Ales

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Para a elaboração desta série de matérias sobre os 190 anos da Assembleia Legislativa do ES foram realizadas entrevistas com especialistas e pesquisas jornalísticas no Arquivo Geral, Biblioteca João Calmon e Cedoc da TV, todos da Ales, Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, Instituto Jones dos Santos Neves, Biblioteca Pública Estadual, Biblioteca Nacional Digital, Arquivo Nacional, Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC/FGV RIO), além de consultas a artigos científicos, dissertações, teses e livros publicados.

Fonte: POLÍTICA ES

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